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Introdução à Hamartiologia – Doutrina do Pecado

Doutrina do Pecado

“Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso, que todos pecaram” (Rm 5:12)

 

Entenda como todos os homens pecaram

Como foi possível todos os homens pecarem? Qual lei transgrediram? Onde, quando e como pecaram? Que ação, ou omissão, fez com que todos pecassem?

 

Introdução

Na frase: ‘… por isso, que todos pecaram” (Rm 5:12), o termo ‘pecaram’ é tradução do verbo grego ?μαρτ?νω, transliterado ‘hamartano’[1].

 

Geralmente, os teólogos consideram o significado do termo grego ?μαρτ?νω (hamartano) somente como ‘errar o alvo’, ‘cometer um erro’, ‘cometer um pecado’ (contra Deus), relacionando o termo grego ?μαρτ?νω à transgressão de uma lei, porém, o apóstolo Paulo enfatiza que os gentios ‘pecaram’ (?μαρτ?νω), mesmo sem lei (?ν?μως).

Considerando que ‘onde não há lei também não há transgressão’ (Rm 4:15), como é possível os gentios pecarem sem uma lei para transgredirem? Na ausência de lei, o que se espera é que não haja transgressão, porém, o apóstolo Paulo afirma que, mesmo sem uma lei semelhante a lei de Moisés os gentios pecaram, o que nos compele a investigar se há distinção entre ‘transgressão’ e ‘pecado’ e qual a relação entre estes dois termos: “Porque todos os que sem lei (?ν?μως) pecaram (?μαρτ?νω), sem lei, também, perecerão; e todos os que, sob a lei, pecaram, pela lei serão julgados” (Rm 2:12).

Se é possível um indivíduo ‘pecar’ mesmo não tendo recebido uma lei semelhante a de Moisés, isso, por si só, demonstra que, o significado do termo grego ?μαρτ?νω quando empregado no Novo Testamento não decorre da transgressão da lei de Moisés, portanto, se faz necessário analisar os significados dos termos αμαρτια e ?μαρτ?νω para compreendermos as várias nuances destas palavras quando empregadas no Novo Testamento.

 

Neste estudo procuraremos demonstrar que os descendentes de Adão são contados como transgressores porque são filhos da desobediência (Cl 3:6), ou seja, nenhum dos descendentes de Adão teve que desobedecer um mandamento específico de Deus para ser pecador. Todos os homens nascidos de Adão são pecadores em função da morte, maldição que passou a todos, daí o qualificativo ‘filhos da desobediência’.

Também procuraremos demonstrar que o ‘pecado’ atribuído a Adão refere-se a perda da perfeição dada por Deus. A perfeição é o padrão que Deus estabeleceu ao criar o homem, uma espécie de marca dada por Deus ao homem,

 

Qual a definição bíblica de pecado?

Quando o apóstolo Paulo afirmou que, tanto gentios, quanto judeus, estavam debaixo do pecado, citou algumas passagens do Antigo Testamento que evidenciam que os judeus também eram pecadores, assim como os gentios.

Além de evidenciar a condição dos judeus, essas passagens do Antigo Testamento também servem para entendermos o significado do termo αμαρτια (pecado), transliterado ‘hamartia’ quando empregado no Novo Testamento.

“… pois já dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado. Como está escrito:

‘Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus’ ” (Rm 3:9-11).

A preposição ?φ’ (debaixo) da frase “?φ’ ?μαρτ?αν ε?ναι” (estão debaixo do pecado) serve para dizer de ‘alguém que trabalha especificamente como servo’, de modo que, ‘estar debaixo do pecado’, significa ‘estar a serviço do pecado’, que, neste verso, é apresentado como senhor de escravos.

 

‘Estar debaixo do pecado’ (?φ’ ?μαρτ?αν ε?ναι) ou ‘ser constituído pecador’ (?νθρ?που ?μαρτωλο? κατεστ?θησαν ο? πολλο?) é o mesmo que estar ‘extraviado’, ser ‘inútil’.

O apóstolo Paulo demonstra que todos os homens sem Cristo estão a serviço do pecado, e cita as Escrituras para demonstrar o que é estar a serviço do pecado (Rm 3:10-11). Os servos do pecado são injustos e ignorantes (sem compreensão), daí o emprego do adjetivo ‘pecadores’ (?μαρτωλ?ς)[2].

O termo hamartia serviu ao propósito de descrever o homem caído, apresentando a humanidade sob o domínio do pecado. Quando o apóstolo Paulo afirmou que ‘todos estão debaixo do pecado’ (Rm 3:9), sendo o termo grego ?π? (hupo) traduzido por ‘debaixo’, ‘sob autoridade’, e o termo grego ?μαρτ?α (hamartia) traduzido por pecado, utilizou as seguintes passagens bíblicas para demonstrar o que é o pecado:

 

“Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só” (Rm 3:10-12; Sl 14:1-3; Sl 53:1-3);

“A sua garganta é um sepulcro aberto; Com as suas línguas tratam enganosamente; Peçonha de áspides está debaixo de seus lábios” (Rm 3:13; Sl 5:9; Jr 5:16; Sl 141:3);

“Cuja boca está cheia de maldição e amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. Em seus caminhos há destruição e miséria; e não conheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos” (Rm  3:14-18; Is 59:7-8; Sl 36:1; Pv 1:16).

O termo hamartia foi utilizado pelo apóstolo Paulo para descrever a humanidade como extraviada (desviada, afastada, perdida, errante) e sem valor (inútil, corrompida, assim como algo que azeda), conforme o que é apresentado pelas Escrituras.

 

Os versos elencados pelo apóstolo Paulo apresentam a condição da humanidade afetada pelo pecado decorrente da transgressão de um só homem, e o termo grego hamartia serviu ao propósito de revelar esta realidade aos cristãos.

Quando é dito que não há um justo (δ?καιος), significa que não há ninguém conforme o padrão de justiça de Deus (Mq 7:2), ou seja, todos perderam o padrão que Deus concedeu a Adão: a perfeição. Com a ofensa de Adão ocorreu a ‘perda da marca’, ou seja, a hamartia, concomitantemente o homem perdeu a comunhão com Deus.

Quando é dito que não há quem entenda (συν?ημι), significa que não há compreensão, conhecimento de Deus, portanto, o homem, sob domínio do pecado, é um ignorante (Ef 4:18). Embora tenha zelo, falta o conhecimento; o conhecimento revelado em Cristo (Rm 10:2-3).

A descrição dos Salmos demonstra que o termo hamartia foi utilizado para descrever a natureza do homem, ressaltando que a humanidade está arruinada por completo.

A garganta do homem descrita no salmo como sepulcro evidencia que a boca do homem sem Deus é plena de maldição e amargura, o que remete ao próprio coração do homem, pois do que há no coração disto fala a boca (Mt 12:34; Jr 17:9). A condição de maldito o homem herda de berço ( Sl 58:3 ), e a bem-aventurança se alcança somente através do novo nascimento.

O profeta Jeremias dá um argumento notável, que se amolda ao significado do termo hamartia: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr 17:9), ou seja, a natureza caída do homem (raça de víboras), é incorrigível. Embora saiba dar boas dádivas aos seus semelhantes, diante de Deus o homem é mau (no sentido de sem valor, baixo, ralé), daí a descrição do salmista: inúteis.

A sujeição ao pecado impossibilita o homem de fazer o bem, mesmo que dê ‘boas dádivas’ aos seus semelhantes (Rm 3:12; Rm 7:21).

 

Portanto, dentre os muitos significados atribuídos ao termo αμαρτια[3] (hamartia) na literatura grega, devemos escolher aquele que melhor estampa a condição da humanidade, como descrita pelo apóstolo dos gentios, em Romanos 3, versos 10 a 18.

Durante a análise do termo, é imprescindível considerar que, na sociedade grega, todas as coisas se definiam pela função[4], de modo que questões éticas[5] ficavam em segundo plano, pois só, tardiamente, tais questões foram abordadas em tratados filosóficos.

Na Grécia Antiga, o verbo ?μαρτ?νω (harmatano), cognato do substantivo ?μαρτ?α, era regularmente utilizado para fazer referência à ação de um lanceiro que errava o alvo, ou seja, não atingia a marca pretendida, significando ‘erro’, ‘perda da marca’, ‘errar o alvo’.

Entretanto, estudiosos entendem que o significado ‘perda da marca’ do termo ?μαρτ?α não é empregado no Novo Testamento, por considerarem que o termo adquiriu nova significação, em função de questões como ética, moral, culpa, responsabilidade, etc.

Vale destacar que a falha, ou o erro, que o termo ?μαρτ?α remete, não está somente no resultado de uma ação, antes permeia a execução da ação por completo, ou seja, engloba toda ação que resulta no erro. Desse modo, a partir do momento que uma lança era empunhada, calculado o ângulo e arremessada, visando a marca pretendida – um alvo – em não o atingindo, ocorria a ?μαρτ?α.

No arremesso de uma lança, as intenções boas ou más, não eram preponderantes para a utilização do termo ?μαρτ?α, pois, quando um atleta empunhava uma lança com o objetivo de acertar o alvo, tal ação não abrigava viés moral.

Mas, se voltarmos no tempo, veremos que a postura tradicional da Grécia homérica, era a culpa coletiva, pois se acreditava que a ?μαρτ?α era ‘uma mancha que se espalhava’ e afetava o génos (família, clã, grupo familiar ou descendência), ou seja, a consequência da falta de um indivíduo recaia sobre todos os seus parentes e descendentes (pessoas ligadas por laços de sangue), tanto com relação ao parentesco sagrado (pais, filhos, netos ou irmãos) quanto ao parentesco profano (esposos, cunhados, sobrinhos e tios).

 

Como a ‘arte imita a vida’, nas tragédias gregas, o termo hamartia era utilizado para retratar a ação ou omissão do herói[6] não por falha de caráter ou por maldade. A hamartia, na verdade, apontava para uma maldição que envolvia o herói grego, por causa de um vínculo de sangue com um antepassado amaldiçoado.

As tragédias gregas refletiam o pensamento dos gregos antigos, de que a realidade existencial era perfeita e difícil de explicar ou de descobrir, tanto que a religião olímpica afirmava a existência de um equilíbrio e harmonia que regia a tudo e a todos, em uma espécie de estado universal em perfeição.

Quando havia alguma mudança ou desvio no ‘status quo’ da perfeição, o equilíbrio devia ser restaurado. É neste cenário que o termo hamartia era utilizado com relação ao herói trágico, pois o equilíbrio precisava ser restaurado, mas o herói, apesar de ser integro, de boa índole, invariavelmente, falhava ao tentar recompor a perfeição e o equilibro existencial perdido.

A falha do herói trágico não decorre de violações legais e nem por faltas de cunho moral. O resultado das ações do herói, na tentativa de recompor o equilíbrio, é sempre indesejável em função da hamartia, uma maldição que permeia a existência do herói, mas que ele desconhece (ignora).

Do ponto de vista teológico, os estudiosos não abordam a questão da hamartia como uma ‘mancha que se espalha’, ou do ponto de vista do ‘erro trágico’, e acabam por preferir o conceito de hamartia presente na obra aristotélica ‘Ética a Nicômaco’, em detrimento do conceito estético presente na ‘Poética’, obra do mesmo autor.

Daí a pergunta: Qual definição de ‘hamartia’ adotar ao ler o Novo Testamento?

 

Adão

Adão transgrediu a lei que Deus deu no Éden (Gn 2:16-17) e a ação dele, contrária àquele mandamento específico, é designada pelo apóstolo Paulo como transgressão (παρ?πτωμα). Em outras palavras, a ‘ofensa’ de Adão foi uma ação deliberada, em oposição ao mandamento de Deus, que envolve dolo e responsabilização.

 

De Adão é dito que ‘transgrediu’ (Rm 5:18), porque não deu ouvidos à palavra de Deus (desobedeceu- παρακο?ς, cf. Rm 5:19). Também é dito que, por Adão, entrou o pecado (?μαρτ?α) no mundo (Rm 5:12).

Daí surge a pergunta: a transgressão (παρ?πτωμα) de Adão em não dar ouvidos a palavra de Deus é ?μαρτ?α, ou resultou na ?μαρτ?α?

É comum confundirem a ‘transgressão’ com o ‘pecado’, porém a παρ?πτωμα precede a ?μαρτ?α, e esta decorre daquela. Concomitantemente, Adão transgrediu e pecou, ou seja, desobedeceu e perdeu o padrão de perfeição que possuía.

O verbo grego ?μαρτ?νω traduzido por ‘pecou’, com relação a Adão, não encerra, em si, uma ação contrária ao mandamento de Deus (Rm 5:16), mas à perda da marca, à perda do padrão concedido por Deus. Adão errou ao desobedecer, daí a culpa e responsabilização e, agregado ao erro, tornou-se injusto, ou seja, perdeu o padrão de justiça concedido por Deus.

Se considerarmos que ‘hamartia’ diz de um ‘erro’, conforme a definição do dicionário VINE: ‘originalmente vinculado ao arremesso de lança (significando errar ou não atingir o alvo)’, certo é que, ao transgredir o mandamento de Deus, Adão errou, ou seja, neste sentido pode-se dizer que Adão ‘pecou’, ‘errou o alvo’.

Entretanto, a ideia contida no verso 16, de Romanos 5 ao afirmar que Adão pecou (?μαρτ?σαντος) não remete ao erro de ter transgredido o mandamento, mas à condição de extraviado, de inútil.

Vale destacar que há termos gregos que servem para designar o erro, como o termo grego πλ?νη (plané), que significa erro, desvio, errante, vaguear, coxear, etc., e que poderia ter sido utilizado pelo apóstolo para descrever o comportamento de Adão, contrário ao mandamento de Deus, assim como foi utilizado em Romanos 1, verso 27.

 

Se considerarmos o argumento de que a hamartia ‘entrou’ no mundo por um homem, o significado do termo traduzido por ‘erro’, apresentado pelo dicionário VINE, fica aquém da ideia apresentada pelo apóstolo Paulo, vez que após entrar no mundo a hamartia, a morte (aguilhão) também entrou, e por causa da morte é dito que todos pecaram.

Percebe-se que o significado da hamartia, no capítulo 5 de Romanos, possui mais relação com a postura tradicional da Grécia homérica ‘uma mancha que se espalha’[7] e afetava o génos[8] em função do vínculo de sangue que o clã tinha com o faltoso, do que com o erro em função de não ter atingido um alvo.

É só de Adão, que a Bíblia diz, especificamente, que transgrediu (παρ?πτωμα) um mandamento; transgressão que trouxe consequências para toda a humanidade, pois é dito que ‘por uma transgressão’ entrou o pecado no mundo.

Se entendermos a hamartia como ‘erro’ ou ‘transgressão’, cada indivíduo que viesse ao mundo, teria que transgredir um mandamento à semelhança de Adão. Entretanto, o significado do termo hamartia transcende a ideia de uma transgressão (παρ?πτωμα) ou de um erro (πλ?νη), pois atinge, indistintamente, a todos os descendentes de Adão, por ‘personæ sanguine conjunctæ’ (pessoas ligadas por laços de sangue), vez que a morte passou a todos.

Os descendentes de Adão são contados como transgressores porque são filhos da desobediência (Cl 3:6), ou seja, nenhum dos descendentes de Adão teve que desobedecer um mandamento específico de Deus para ser pecador. Todos são pecadores em função da morte, maldição que passou a todos pelo vínculo de sangue com Adão, daí filhos da desobediência.

Vale salientar que, para os descendentes de Adão transgredirem à semelhança de Adão, seria necessário:

  • Não estarem sujeitos ao pecado e à morte, o que é impossível, visto que foram concebidos em pecado (Sl 51:5);
  • Receberem um mandamento que os alertasse das consequências da transgressão.

No entanto, os descendentes de Adão estão sob o domínio de um senhor – o pecado – que tem por aguilhão a morte, situação completamente diferente da de Adão, quando foi criado.

 

Após o mandamento no Éden, Deus deu mais dois mandamentos:

  • Através de Moisés, para conscientizar os judeus de que eles também eram pecadores como os gentios, e;
  • O evangelho, que livra do pecado e da morte a todos quantos creem, portanto, é impossível a qualquer descendente de Adão transgredir à semelhança de Adão.

A lei de Moisés serviu de ‘aio’ – guia, mestre – para conduzir os homens a Cristo e o mandamento de Deus no Evangelho, não envolve condenação, pois Cristo mesmo evidenciou que não veio julgar o mundo, mas salvá-lo (Jo 14:47). O mundo já foi julgado e condenado (Rm 5:18), portanto, a lei só evidencia a condição do homem perdido (Rm 3:20).

Adão desobedeceu ao mandamento de Deus e comeu do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, de modo que, pela transgressão (παραπτ?ματι), entrou o pecado (?μαρτ?α) no mundo, e pelo pecado a morte: “Porque, se pela ofensa de um só, a morte reinou por esse…” (Rm 5:17); “Porque, assim como a morte veio por um homem (…) Porque, assim como todos morrem em Adão…” (1Co 15:21-22); “De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2:16-17).

Por uma transgressão (παραπτ?ματι) entrou o pecado (?μαρτ?α), uma falha, um erro, ou seja, a humanidade perdeu a marca, ficou aquém do alvo. Neste sentido, a hamartia diz de uma mancha, um princípio, um poder, um senhor, um reino, etc., que afetou a natureza do homem.  Esse significado do termo ?μαρτ?α não possui condão ético ou moral, antes aponta para a condição do homem alienado de Deus.

 

Hamartano (?μαρτ?νω)

No capítulo 2, verso 12, o apóstolo Paulo diz que ‘todos que sem lei pecaram, sem lei também perecerão’. Observe que ele não utiliza o termo transgressão (παραπτ?ματι), mas o termo ?μαρτ?νω (hamartano), para ‘pecaram’.

Ele não diz que todos transgrediram, mas, sim, que todos pecaram, o que demonstra que o verbo hamartano, refere-se à perda da marca concedida por Deus, e não à transgressão de uma lei, ou a erros de cunho moral ou de caráter.

O apóstolo demonstra, no mesmo verso, que, mesmo os judeus, que estavam sob o domínio da lei, pecaram ?μαρτ?νω, ou seja, estavam fora do padrão de justiça estabelecido por Deus. O termo hamartano não foi utilizado para relatar que os judeus transgrediram a lei, mas, sim para descrevê-los em sujeição ao pecado.

 

Quando é dito que os judeus ‘pecaram’, devemos entender que eles estavam fora do padrão de justiça estabelecido por Deus, ou seja, que eram injustos, tanto que a lei foi entregue a eles: “Sabendo isto, que a lei não é feita para o justo, mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas” (1Tm 1:9; Dt 9:4). Aqui vai um adendo, para esclarecer que essa é uma linguagem enigmática, pois o homicídio se refere à morte espiritual do indivíduo, perpetrada pelo engano, ou por uma indisposição de contrariar a palavra dada por Deus.

Os judeus, assim como os gentios, perderam a perfeição, perderam a marca (padrão), por isso é dito que pecaram. A lei foi dada para demonstrar que os judeus também eram contados entre os ‘transgressores’, um modo de revelar que eram injustos e obstinados, pois também são filhos da desobediência: “Logo, para que é a lei? Foi ordenada por causa das transgressões, até que viesse a posteridade, a quem a promessa tinha sido feita; e foi posta pelos anjos na mão de um medianeiro” (Gl 3:19).

Das oito palavras base para falar das questões relativas ao pecado no Antigo Testamento, os termos hebraicos ?????? (avon) e ????? (chet) remetem à ideia de uma maldição, decorrente de um vínculo de sangue:

“Eis que em iniquidade fui formado e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51:5).

Os termos avon e chet – ambos significando perversidade, iniquidade, pecado – são intercambiáveis, considerando o paralelismo sintético construtivo ou formal, visto que a segunda parte do verso 5 do Salmo 51 amplia ou acrescenta nova ideia à asserção anterior.

Por intermédio de Moisés, Deus demonstra que não se esquece da condição do homem no pecado (visito), pois a condição do homem se perpetua, indefinidamente, através das gerações (terceira e quarta).

“Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam” (Êx 20:5).

 

Para o homem livrar-se do pecado de Adão, era necessária a circuncisão do coração, ou seja, morrer para o pecado e não a circuncisão do prepúcio, uma marca física.

Quando os judeus receberam a lei, já estavam sob o domínio do pecado, de modo que foi dito que, para obterem vida, era necessário observar o que estava sendo prescrito por Deus, o que demonstra que estavam presos ao pecado, por causa da morte: “Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; os quais, observando-os o homem, viverá por eles. Eu sou o SENHOR” (Lv 18:5).

Mas, por intermédio da lei, era impossível ao homem obter vida, pois havia uma obrigação para os mortos alcançarem vida: “Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá” (Gl 3:12). Ora, se a lei não é da fé, segue-se que tudo o que não é proveniente da fé é pecado “… e tudo o que não é de fé é pecado” (Rm 14:23).

Na definição do apóstolo, o termo ‘fé’ não se refere à crença (πιστε?ω-pisteuó) do homem, antes diz de Cristo, que foi enviado por Deus. Tudo que não é proveniente de Cristo, a ‘fé’ manifesta na plenitude dos tempos, é pecado (?μαρτ?α): Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei e encerrados para aquela fé, que se havia de manifestar” (Gl 3:23).

Com lei ou sem lei, todos pecaram (Rm 3:23), o que demonstra que não se aplica ao termo hamartano a ação do verbo παραπτ?ματι (transgressão), antes a transgressão (παραπτ?ματι) de um homem resultou em uma queda, que comprometeu todos os homens, igualmente.

No verso 25 de Romanos 4, o apóstolo Paulo utiliza o termo παρ?πτωμα[9] (paraptóma), traduzido por ‘pecados’, demonstrando que Jesus morreu pelo παρ?πτωμα, ou seja, o termo aponta para um erro que não decorre de questões morais, comportamentais e nem de caráter.

Onde ocorreu o desvio, ou seja, a παραπτωμα (paraptóma)? No Éden, ou seja, na madre, como se lê: “Alienam-se os ímpios desde a madre; andam errados desde que nasceram, falando mentiras” (Sl 58:3). É por esse desvio que Jesus morreu, vez que todos necessitam nascer de novo!

 

O pecado (?μαρτ?α), que entrou no mundo (κ?σμος-kósmos), decorre da transgressão (παραπτ?ματι) de um só homem, portanto, nesse contexto, a hamartia não pode ser confundida com a ação de comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, antes a hamartia resultou daquela ação.

A transgressão de lançar mão do fruto e comer, muitos rotulam como ‘pecar’, porém, quando é dito que ‘um só pecou’, a ideia do termo ‘pecou’, no texto, é ‘perda da marca’, ou seja, ‘ficar aquém do padrão’. Quando é dito que ‘um só pecou’, significa que um só perdeu a marca, por conseguinte, todos perderam; um se fez inútil, todos foram feitos inúteis. A marca ou o padrão que Adão perdeu, quando é dito que ‘pecou’, diz da perda da perfeição concedida por Deus.

Quando o apóstolo Paulo pergunta se o cristão há de ‘pecar’ por não estar sujeito à lei (Rm 6:15), o termo ‘pecar’ é tradução do verbo ?μαρτ?νω (hamartano). A discussão do apóstolo é existencial, e não comportamental, assim como a abordagem de Jesus:

“Todo aquele que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8:34).

A pergunta: ‘Havemos de pecar?’, é o mesmo que: ‘Permaneceremos no pecado’? (Rm 6:1). Quem está morto para a ?μαρτ?α, já não vive para a ?μαρτ?α, antes vive para Deus (Rm 6:2), de modo que, se o corpo que pertence ao pecado foi desfeito, é impossível servir ao pecado, portanto, é impossível pecar (Rm 6:6).

Ao ser crucificado com Cristo, o homem deixa de estar debaixo (?π? hupo, traduzido por ‘debaixo’, ‘sob autoridade’) do pecado, portanto, não peca (Jo 3:6). O verbo hamartano foi utilizado pelo apóstolo João para demonstrar que aquele que permanece sob autoridade de Cristo, não perde a marca, ou seja, o padrão de justiça imputado através de Cristo é conservado. Pecar é perder o padrão, o que é contraponto a conservar, manter inalterado, intacto.

“Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo e o maligno não lhe toca” (1Jo 5:18).

 

A discussão que o apóstolo Paulo introduz, no capítulo 5 de Romanos, não tem relação com a prática de ações inconvenientes reprováveis, segundo a moral e as leis dos homens (Rm 1:27), ou dos tropeços a que todos estão sujeitos (Tg 3:2), onde as questões de cunho comportamental devam ser consideradas.

A ideia discutida, tem relação com o senhorio da justiça ou do pecado (Rm 6:17), vez que aqueles que pecam pertencem ao diabo (1Jo 3:8) e os que não pecam pertencem a Deus (1Co 6:20). Por outro lado, os filhos de Deus não (impossibilidade) pecam (perder o padrão, a marca), pois a semente de Deus permanece em seus filhos (1Jo 3:9).

A questão é de domínio da justiça ou do pecado, portanto, não se trata de questões éticas, de moral, de culpa, de responsabilidade, etc.

Aquele que está morto com Cristo, está livre (δικαι?ω)[10] do pecado (Rm 6:7), no sentido de estar em conformidade com o padrão de justiça que há em Cristo. Por que livre do pecado? Porque é livre do aguilhão (morte) (Rm 6:9), que prende o homem no pecado (Rm 6:14; Hb 2:15).

Quando se questiona: ‘Havemos de pecar por não estarmos debaixo da lei?’ (Rm 6:15), a pergunta não se refere a fazer coisas inconvenientes do ponto de vista moral, mas sim, se o crente em Cristo, por não estar debaixo da lei, mas da graça, se não teria o padrão de justiça tal como é exigido por Deus (Rm 6:18).

Esta mesma verdade verifica-se na seguinte premissa:

“Todo aquele que comete[11] pecado é escravo do pecado” (Jo 8:34).

 

A ênfase do período está na sujeição do homem ao pecado como servo e não no comportamento inconveniente ou depravado, visto que Jesus estava tratando com religiosos.

O termo grego ποιεω (poieo), comumente traduzido por ‘comete’, dá ideia de ação contrária a um mandamento, porém, o termo grego possui diversos significados, dependendo do contexto.

O problema dos interlocutores de Jesus não eram as suas ações, mas, sim, o fato de que eram guiados, ou seja, ‘levados a fazer algo’, ou ‘fazer algo a partir de alguma coisa’, que, no texto em comento, é o pecado, o que nos remete à explicação do apóstolo Paulo:

“Acho então esta lei em mim, que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; Mas vejo nos meus membros outra lei, que batalha contra a lei do meu entendimento e me prende debaixo da lei do pecado, que está nos meus membros” (Rm 7:21-23).

Os filhos de Deus são guiados pelo Espírito de Deus (Rm 8:14) e os filhos da desobediência, guiados pelo pecado. A carne milita contra o Espírito e o Espírito contra a carne, para terem domínio sobre o homem, ou seja, para que não realizem o seu próprio querer (Gl 5:17).

‘Pecar’ é consequência da sujeição ao pecado: – O homem é escravo do pecado e, por ser servo, ‘peca’. Tal afirmação não comporta o argumento como motivo, só como consequência, até porque, em função da transgressão de Adão: “… não há homem justo sobre a terra, que faça o bem e nunca peque” (Ec 7:20).

É por isso que é dito: “Quem do imundo tirará o puro? Ninguém” (Jó 14:4). Embora saiba dar boas dádivas aos seus semelhantes, diante de Deus o homem é mal, vil, ralé, baixa estirpe (Mt 12:34). A árvore má só produz maus frutos, semelhantemente o pecador: todos os seus pensamentos e ações estão comprometidos, pois o homem está sob o domínio da ?μαρτ?νω. Tudo que o homem faz com os seus membros, quando sob domínio do pecado é o mal, até as boas dádivas aos semelhantes (Rm 7:19).

 

Por definição, os escravos do pecado praticam o pecado e os servos da justiça praticam a justiça (1Jo 3:4 e 7), vez que um servo não pode servir a dois senhores (Mt 6:24), de modo que, a expressão ‘aquele que comete pecado’, deve ser entendida como aquele que está sujeito (escravo) ao pecado – ?φ’ ?μαρτ?αν -, ou seja, ?φ’  significa ‘em poder de’, ou, ‘sob a autoridade’ do pecado (Rm 3:9).

Quando lemos: “E não foi assim o dom como a ofensa, por um só que pecou” (Rm 5:16), o termo ?μαρτ?σαντος traduzido por ‘pecou’ não se refere a transgressão (παραπτ?ματι) da lei no Éden, mas, sim à perda da marca, que afetou todos os descendentes de Adão.

A hamartia que entrou no mundo, se

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